Estar triste é um direito. Um direito tão natural e tão desejável como estar alegre. Os sentimentos são isso mesmo - sentir, e sentir é ver o mundo e os outros umas vezes de um modo mais otimista, outras mais pessimista, umas vezes de forma mais positiva, outras menos.

«Para mim hoje é Janeiro
Está um frio de rachar
Parece que o mundo inteiro
Se uniu para me tramar».

Rui Veloso

Estar triste é muitas vezes estar. Simplesmente estar. Sem se saber porquê e sem se querer saber porquê... até porque muitos sentimentos não se explicam, apenas existem enquanto tal. Porquê estar sempre «alegre»? Como se alegria fosse sinónimo de felicidade ou condição para se atingir esta última, ou como se a tristeza desembocasse sempre na depressão ou no suicídio.

A confusão entre alegria e felicidade

Toda, ou pelo menos quase toda, a gente deseja a felicidade. Para si e para os outros. Só nos ficam bem esses sentimentos. No entanto, não podemos cair no erro de confundir felicidade com alegria. Pode ser-se extremamente feliz estando triste; mais, há muitas ocasiões em que nos sentimos bastante melhor connosco próprios e com os outros estando tristes. Por vezes muito tristes, como nos tempos conturbados que vivemos.

Tristeza e alegria pertencem à escala de sentimentos e de estados de alma, não havendo propriamente uma divisão radical entre ambas. Quantas vezes a maior das alegrias não é tão grande que roça a tristeza, tantas as vezes a tristeza se insinua nas nossas almas tornando-se bem-estar e tranquilidade.

Tudo depende das alturas, dos momentos, das razões. A vida é isso mesmo.

Tristeza como sinónimo de criatividade

É bem sabido que os grandes criativos, no domínio da literatura, das artes, da ciência, tiveram e têm as suas fases de maior produtividade nos dias em que se sentiam ou sentem tristes. Muito mais, seguramente, do que quando andavam bem-dispostos – a tristeza traz consigo reflexão, interiorização, estar-se tranquilamente consigo próprio. A alegria é mais expansiva, mais comunicativa, mas também mais partilhada, menos pessoal. Estar triste é algo de bom, de «gostoso», um estado de alma que saboreamos a cada momento, devagarinho, com prazer, como um momento nosso e só nosso, enigmático, ao qual os outros não têm acesso, e que, por isso mesmo, nos apela à espiritualidade, à contemplação, à intimidade de nós connosco e de nós, para os crentes, com Deus.

A alternância de estados de espírito

Evidentemente que não será desejável estar sempre triste. A tristeza temperada com a alegria (e também com situações de «neutralidade» de sentimentos) constrói o equilíbrio interno e externo de que tanto precisamos e que nos permite gerir de forma adequada a adversidade e o stresse, bem como os estímulos positivos e o contentamento. Uma boa balança é a que pode pender para um lado ou para o outro e não apenas a que se verga para a esquerda ou para a direita.

Alternar os estados de espírito é, assim, fundamental. Há que reconhecer esse direito como um dos direitos fundamentais da pessoa. Poderá corresponder à maior boa vontade dos outros tentarem animar-nos e consolar-nos – é o seu papel –, mas terão de compreender que, às vezes, apetece-nos estar tristes e que forçar a alegria só nos irá provocar sofrimento e desconforto. Não somos «patetas alegres», para andar sempre com um sorriso debaixo do braço ou escondido no bolso para agradar aos outros.

A tristeza e os mais novos

As crianças e adolescentes são pessoas que sabem melhor do que ninguém modelar estes estados de alma e aprender a sua gestão é um importante fator de crescimento, responsabilização, conhecimento do «eu» e também de criatividade. Quantos de nós não teremos escrito poemas ou ensaios, geralmente como resposta à mais profunda das tristezas? Ou pintado quadros e telas, feito desenhos ou esboçado esculturas... ou tão simplesmente passeado num dia de chuva, ou ao sol da primavera, junto a um riacho, através de um bosque, de uma avenida, ou simplesmente deitados em cima da cama, deixando-nos embalar por uma infinita nostalgia de que gostamos e que nos conforta, que nos acaricia da mesma maneira que as mãos da mãe ou as palavras generosas de um amigo? Quantos de nós não nos conhecemos melhor por termos tido esses momentos?

Estar triste é vulgar, normal e desejável. Tão vulgar, normal e desejável como estar alegre. A vida não tem apenas uma faceta e a complementaridade dos diversos matizes de sentimentos é que nos faz e refaz a cada momento.

Adultos: deixemos os mais novos terem momentos de nostalgia e de tristeza. Há que detetar sinais de depressão, situação em que urge intervir pois da qual é mais difícil sair e que, ao contrário da tristeza, é paralisadora e pode conduzir à inércia e à autodestruição. Não sendo o caso, deixem os vossos filhos, alunos e conhecidos estar por vezes tristes e respeitem esse sentimento, o qual não tem nada a ver com estar zangado, ser-se malcriado ou andar de cara «amarrada». 

Estar triste é assim um direito sagrado! E se não fosse tão bom, o maior júbilo não nos deixaria um travo saboroso de nostalgia. Quem nunca chorou de alegria?

Mário Cordeiro

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